segunda-feira, 21 de março de 2016

O Picadeiro

Quando eu era criança, me deliciava com as histórias inocentes contadas pelos palhaços dos pequenos circos que eram montados na região onde morava. Centenas de seres faziam parte de intermináveis filas disputando o privilégio de ouvir e vê-los em ação, encenando espetáculos que faziam crianças e velhos se divertirem ao máximo. Na forma singela de encarar e ver as situações descritas pelos artistas do picadeiro era possível vislumbrar um mundo diferente, quase mágico, cheio de novidades e fantasias e servia de estímulo para que produzissem histórias mirabolantes em muitas mentes ainda em formação. Certamente preenchiam um espaço ilusório que acalmava e fazia muita gente extraordinariamente feliz. O figurino utilizado era altamente indiscreto, espalhafatoso até, assim como o enorme nariz, sempre vermelho, que ensejava as mais inusitadas brincadeiras para delírio geral. Ninguém era capaz de ficar indiferente às suas provocações e, muitas vezes, faziam coro a todas as manifestações produzidas. As performances se materializavam com um brilhantismo incomum e estavam restritas ao espaço dos circos e nunca poderíamos imaginar que essas atuações fossem invadir outras áreas, inclusive aquelas destinadas a tratar coisas sérias e importantes para a maioria dos cidadãos. Em razão das variações que o mundo costuma apresentar, cresci e pude ver uma modificação radical na figura dos palhaços tradicionais. Deixaram de ser engraçados, ao que parece contaminados com o meio onde passaram a circular e a nova atuação revelou outras faces de abomináveis figuras, nada engraçadas, muito deprimentes. Outro detalhe a destacar é que esse trabalho passou a ser copiado descaradamente em vários segmentos, como se fosse uma concorrência predatória, desleal. Os novos atores, sem a formação necessária e desejável, ao invés de provocar o riso como seria esperado passaram a tripudiar as características dos pasmos cidadãos que, perplexos, não estão podendo se defender, só chorar e lamentar. Os mambembes trapalhões sem farda chegaram para ficar e ocuparam, sem pedir licença, os gabinetes e as galerias de plenários de tantas ordens e passaram a ditar as regras como se a população tivesse que literalmente engolir suas mazelas e a coisa mal feita. O que os diferencia é a ousadia e petulância em se apropriar de instrumentos que não são seus e são capazes de tornar infelizes os cenários e as pessoas que terão que se submeter aos seus inconfessáveis propósitos. Diferentemente dos verdadeiros artistas que tiveram que treinar muito para alcançarem um estágio ideal para atuar nenhum desses novos atores, ao que se tem conhecimento, teve o cuidado de se preparar e, mesmo assim, concorrem para piorar as relações humanas em detrimento da qualidade da vida de todos. A diferença fundamental entre eles é que os habitantes tradicionais do picadeiro foram e continuam sendo desprendidos, despojados de coisas materiais e preservam o compromisso de trabalhar em favor da alegria e da felicidade geral, funções que são difíceis de remunerar a contento. Nas minhas orações, eu peço que alguém tenha coragem suficiente para não permitir que os falsos palhaços continuem atuando indiscriminadamente e que, de fato, o picadeiro venha a ser ocupado por artistas de verdade que só trabalhem na construção do bem.

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